Aqui vai mais um capítulo.
Capítulo 8 - Revoltada
I parte
Tic…Tac…Tic…Tac… os ponteiros do relógio marcavam o silencio obscuro em que o quarto fora emergido. Depois de Miriam se colocar do lado de Patch, contrariando o seu superior, todos permaneciam calados, absortos, mergulhados na sua própria consciência. Tentando de alguma forma encontrar as palavras necessárias para que de certo modo, conseguissem estilhaçar aquela estranha sensação que me gelava até aos ossos.
Então a face de Mickael transtornou-se. Apercebi-me pela forma como os seus lábios se contorceram, pela forma como Miriam empalecera e maneira como Patch me observava que eles comunicavam mentalmente.
- Alguém me pode explicar o que se passa aqui? – perguntei num fio de voz rouca e desgastada. Estava farta de permanecer deitada, sem dizer nada, apenas uma observadora…
- Meu Anjo… - começou Patch, aparentando formular uma desculpa.
- Eu quero a verdade! – exigi – Estou farta de tudo isto… O que é que se passa comigo? – dito isto, levantei-me num pulo. Incrivelmente o meu corpo na vacilou, as minhas pernas não tremeram, todo o corpo estava firme, surpreendentemente firme.
- Ela merece a verdade – proferiu Mickael, observando-me neutralmente.
- Não ela…
- Eu sei que me amas… - interrompi Patch, furiosa – e eu amo-te profundamente. Mas não me podes proteger para sempre. Eu não sou indefesa. Eu sou capaz de tomar conta de mim mesma. Aliás, as memórias estão todas a voltar… Eu sei que me manipulaste a memória milhares de vezes – as minhas palavras feriam-no visivelmente, mas tinha de faze-lo para saber a verdade – Até a mente da Vee manipulaste! E agora queres que eu não saiba o que se está a passar?
A dor perfurou-me pois ao ferir Patch também me feria, mas nós não eramos apenas um “nós” mas sim “eu e Patch”, duas identidades distintas, que se amavam profundamente, sem dúvida, mas independentes uma da outra.
- Meu Anjo…
Pedi que se calasse. Porque embora todo este amor eu estava farta! Farta de depender do meu Anjo, o ser que eu amava profundamente mas que não me alimentava. Pois eu era, sou e serei livre. E o amor de Patch nunca será a gaiola da minha liberdade.
- A humana deve saber a verdade – disse novamente Mickael – Se não contares tu… conto eu…
- Vá lá Jev – sussurrou Miriam – Tu não estás a protege-la – suspirou – mais tarde ou mais cedo, ela vai ficar a saber… E sinceramente… é melhor que seja o Mickael a contar…
Inexplicavelmente, talvez por se encontrar ferido pelas palavras cortantes que antes proferira, Patch saiu da divisão, sem mesmo olhar para trás. Miriam segui-o, apoiando. Estupidamente uma pontada de ciúmes atingiu o meu âmago, mas a culpa era toda minha.
Mickael pigarreou, tentando chamar a minha atenção.
-Vamos começar? – indagou.
II parte
O salão estava ricamente decorado. Preenchido por casais que dançavam, enquanto os observava, sentada no meu trono. De dança em dança, o tempo voava e eu continuava ali, imóvel, que nem boneca de porcelana à espera de alguém suficientemente rico e corajoso. Corajoso, pois! Não era qualquer um que se atrevia a irritar-me, ou a ouvir um redondo “não” da minha boca.
Desejava que ninguém se aproximasse e assim o meu noivado estaria adiado. Logo poderia continuar com o meu amado e talvez… o meu senhor aceitasse os nossos sentimentos. Mas não poderia estar mais enganada.
Mesmo antes das doze badaladas vi-o. Já o conhecia, era convidado especial do meu pai, mas apenas desfrutara da sua companhia uma única refeição. Como tal nunca pensei que se encontrasse no nosso palácio para me desposar.
- Sua Alteza… - incrivelmente, não se curvou perante o meu pai, algo que se fosse feito por outrem seria condenado, mas ele aparentava estar acima da minha família – Doce donzela – curvou-se ligeiramente, buscando a minha mão para que a guiasse aos seus lábios – Concede-me esta dança?
- Claro que sim… - proferiu o Rei – nem se questiona isso – lançou-me um olhar furtivo, para que o fizesse. Levantei-me então e fiz uma vénia delicadamente. Estendi-lhe a minha mão e deixei que me guiasse para o centro do salão.
Todos os outros casais pararam, assim que se aperceberam que iria finalmente dançar. No entanto, com um aceno, o meu pai ordenou que continuassem. A música recomeçou e com ela um e outro casal juntavam-se aos passos que eu dava com um perfeito desconhecido.
- A senhora é deveras bela… - elogiou.
Encarei-o friamente pois apenas o meu amado o poderia dizer, mas ao fita-lo, todo o gelo derreteu e fiquei presa ao seu olhar profundo e tão negro como a noite. Depressa esqueci o meu amado, sendo que a minha mente só pensava em como era belo.
Observei-o detalhadamente. O seu corpo másculo contorcia-se com prazer sempre que o meu corpo tocava o seu. O seu sorriso simples, revelava-se mais frio do que aparentava ser, tão frio e profundo como o seu olhar. Aqueles olhos tão negros que me deixavam hipnotizada, e apenas me faziam querer cair no abismo que eram. Sinceramente, a minha mente fazia-me quere-lo. Deslizar os meus dedos pelos seus caracóis negro, enterrar a minha boca nos seus lábios sensuais e oferecer-me a sua pele morena.
O seu riso baixo fez-me acordar do transe em que mergulhara. Só então percebi que a dança tinha acabado. Bem como os meus sentimentos pelo meu amado. Estava rendida a aquele homem. Muito infelizmente.
III parte
Aquela voz que me era tão amada pertencia apenas a um único ser perfeito e das trevas. A Lucifer, o meu eterno e amado senhor, que se revelava das sombras onde outrora se ocultara. Aproximou-se em todo o seu esplendor. Com o seu manto de pele humana tingida de negro, a esvoaçar ao sabor do vento gélido. Estendeu-me a mão, que aceitei sem cessar. Pois o facto do seu acto revelava que me tenha em grande consideração.
-Perdoo-me – implorei, já de pé.
- Não precisas… - disse entre risadas negras – Foi um favor que me fizeste. Custou-me a acreditar no inicio… Mas sabes como são os seres das trevas, nunca se subjugam a outros. Por isso mesmo é que vim fechar o portão. De modo a que Lucinda ficasse furiosa e assim tu a matasse. Pois és a única que podes fazê-lo.
- Agradeço – disse lisonjeada – Mas eu perdi-o… perdi o cristal…
Mais um riso gélido e seco proveniente da sua boca.
- O cristal é irrelevante… Por agora … Eu trato disso mais tarde. A prioridade é cuidar dos teus ferimentos.
- Pois… mas receio que não seja possível faze-lo agora…
- Porque não? – indagou.
- Bem… - gaguejei, não compreendo o sentido da sua questão, ele sabia perfeitamente como me revigorava – Não existe ninguém aqui capaz de fazê-lo… - calei-me pois apercebi-me do que ele falava, mas eu não poderia aceitar – Meu senhor, não… Não posso fazê-lo…
- Encara isto como uma recompensa… Eu insisto.
Não tive como negar, coloquei o olho que fora arrancado no órbita, pois não conseguiria criar um novo, na revigorassam, apenas restaurar aquele. Caminhei lentamente, dando os passos que me separavam dele. E beijei-o. Não fora um beijo sentido, apenas um reflexo da minha necessidade de energia. Pois, era assim, que eu absorvia a energia necessária para me revigorar. Era esta a minha condenação, por ter recusado o Paraíso e oferecido a minha lealdade a Lucifer, com a consequência de me tornar numa Demónio. Pois bem, se fosse necessário isto para que Deus se apercebesse de que nunca me rebaixaria perante um reles homem, eu aceitaria de bom grado. Pois eu não era aquela criatura cega que fazia tudo o que ele ordenava, não! Eu tinha os meus sentimentos e livre arbítrio, algo que, infelizmente, faltava a Adão e também a minha sucessora, Eva, que apenas com a mordida da maçã abriu o olhos e quebrou a parede que lhe ocultava a verdade. Pois eu sou Lilitu e nunca me rebaixaria perante um homem!
Lentamente, o meu corpo retornou ao que era, soube que bastava. Pois a energia de um anjo era muito mais poderosa do que a de um simples mortal, dos quais me aproveitava, para completar a minha vingança. Pois os descendentes de Adão estavam destinados a mancharem as minhas mãos com o seu sangue.
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